O Sistema Político Português
A Política Comparada entendida como subdisciplina da Ciência Política, quer como método de investigação aplicado ao estudo dos fenómenos e factos políticos, conheceu, nas últimas décadas, um crescimento verdadeiramente assinalável, tanto a nível internacional como a nível nacional. Em termos internacionais, esse crescimento tem sido marcado, entre outros aspetos, pela crescente representatividade das redes e grupos de investigação dedicados ao estudo da Política Comparada no interior das maiores associações da disciplina de Ciência Política — de que são exemplo a Associação Norte-Americana de Ciência Política (APSA), a Associação Internacional de Ciência Política (IPSA) ou o Consórcio Europeu para a Investigação da Ciência Política (ECPR) —, sendo também de assinalar a afirmação e relevância académicas de várias revistas científicas na especialidade, nomeadamente da Comparative Politics, Comparative Political Studies, Government and Opposition: An International Journal of Comparative Politics, West European Politics, ou ainda da European Comparative Politics.
Em termos estritamente nacionais, esse desenvolvimento aparece associado, quer à expressão adquirida pelas secções dedicadas à Política Comparada nos últimos congressos da Associação Portuguesa de Ciência Política (APCP), quer à presença da disciplina na oferta educativa das licenciaturas, mestrados e doutoramentos em Ciência Política, quer ainda, e no que à produção científica diz respeito, pelo crescente número de projetos de investigação, livros e artigos científicos, individuais ou coletivos, desenvolvidos nesta área. Por conseguinte, o livro que agora se publica pretende ser mais um contributo no desenvolvimento e consolidação desta subdisciplina no âmbito da Ciência Política nacional, propondo-se estudar, em termos comparados, mas também longitudinais, o sistema político português nas suas diferentes dimensões (macro, meso e micro), e assim ajudar a compreender as suas características e singularidades no contexto político europeu.
PREFÁCIO
Foi de imediato, e com o maior gosto, que aceitei o amável convite da coordenadora deste livro, Conceição Pequito Teixeira, para nele escrever umas breves linhas à guisa de prefácio. A obra, sem dúvida, bem dispensava tão modesto pórtico, pois nela se evidencia a vitalidade da Ciência Política portuguesa contemporânea, a diversidade das suas linhas de investigações, o felicíssimo encontro entre uma geração de autores mais experientes e consagrados e outra de jovens talentos que começam a despontar e a afirmar-se no panorama politológico nacional. Esta pujança criativa, mas igualmente esta maturidade plena da nossa Ciência Política, suscitam, como é natural ainda que não saudável, o incómodo de cultores outras disciplinas e áreas de investigação. O livro, entre muitos méritos, não entra nessa querela e, colocando-se num patamar superior, como merece, trilha os caminhos da Política Comparada. Logo na Introdução, de resto, é apresentado tal propósito, sendo explicitado o que se entende por «Política Comparada» e enunciados alguns dos problemas metodológicos – e não só – com que se defronta este domínio da Ciência Política. Porventura, teria sido aconselhável levar mais longe o esforço de inventariação dos limites dessa atividade comparativa ou, digamos assim, dos problemas que podem advir de, no limite, se comparar o que é incomparável, tal é a dissemelhança substantiva das realidades em cotejo. Na verdade, muitas vezes resvala-se no simplismo, outrora apontado aos juristas, de atender tão-só, por exemplo, aos normativos da Constituição formal, descartando a análise, decerto mais complexa, da realidade política, económica e social dos diversos países e sistemas em confronto. De todo o modo, este livro demonstra exemplarmente quanto se avançou neste campo das ciências humanas desde o tempo em que Manuel Braga da Cruz, em colaboração com Manuel de Lucena, fez o retrato da «Introdução e Desenvolvimento da Ciência Política nas universidades portuguesas», em estudo publicado em 1985 nas páginas da entretanto extinta Revista Portuguesa de Ciência Política. Curiosamente, este texto não mencionado no excelente capítulo da autoria de Marcelo Carmelo, Alexandre Homem Cristo e Canberk Koçak, intitulado «Ciência Política e Política Comparada em Portugal. O Balanço de uma Experiência Recente». Diz-se mesmo, nesse artigo, que se deve a Adriano Moreira «o único esboço duma historização da Ciência Política portuguesa», o que, atendendo ao escrito citado de Braga da Cruz, não tem inteira correspondência com a realidade. Não se pretendendo, como é evidente, apresentar e discutir cada um dos capítulos de uma obra vasta e tão diversificada, que escolhe a Política Comparada como denominador comum e traço de união, nota-se que alguns autores sedimentam e consolidam temáticas que já integravam o núcleo primordial dos seus interesses, como acontece, por exemplo, com o texto de Luís de Sousa sobre qualidade da democracia e corrupção, com o de Carlos Jalali sobre o sistema de partidos português ou o de André Freire sobre a reforma do nosso sistema eleitoral. Se este último considera que o nosso sistema eleitoral tem tido, ao longo de mais de quarenta anos de democracia, um desempenho bastante satisfatório no que se refere à salvaguarda do princípio da proporcionalidade, Carlos Jalali formula, aparentemente, um juízo algo diverso sobre o sistema de partidos, ao qual aponta um imobilismo estrutural. O autor, no entanto, e como é próprio de um cientista político, não tece considerações excessivamente comprometidas com juízos, positivos ou negativos, que transcendam o plano da formulação e teste das hipóteses avançadas. Não deixa, em todo o caso, de colocar, justamente como sugestão de trabalho, para mais interessantíssima, a questão de uma eventual mudança, a breve trecho, do formato do nosso sistema de partidos. É de realçar ainda que, num espírito de diálogo franco e aberto, alguns autores não deixam de se interpelar mutuamente, não se inibindo André Freire de comentar de forma crítica a proposta de reforma do sistema eleitoral gizada por dois colegas de ofício, Marina Costa Lobo e José Santana Pereira. A Marina Costa Lobo cabe, aliás, a responsabilidade por outro dos mais interessantes textos deste livro, assinado em coautoria com António Costa Pinto e Pedro Magalhães. Debruça-se ele, a par de outro artigo de Rui Graça Feijó em que a abordagem comparativa é particularmente saliente e notória, sobre o semipresidencialismo português o qual é colocado sob uma perspetiva histórica, sem que isso exima os autores de procederem a uma análise das diversas fases do regime democrático, e de concluírem que, pese a evolução jurídico-constitucional ocorrida em sucessivas alterações da Lei Fundamental, com destaque para a de 1982, «os poderes do Presidente permanecem operacionais em tempos de instabilidade política como as presidências de Sampaio e Cavaco Silva claramente demonstraram». Algo distinta será, porventura, a opinião de certos juristas, como Jorge Reis Novais, autor de uma extensa obra sobre o sistema de governo português, em dois volumes, que abre precisamente com uma crítica particularmente incisiva às abordagens feitas pela Ciência Política. Este volume demonstra, contudo, que não só as diversas abordagens da realidade política são múltiplas e sempre enriquecedoras, como o convívio interdisciplinar merecia ser mais cultivado em Portugal, a bem de todas as partes envolvidas. Reunindo diversos nomes – que, pelo seu número, é impossível explicitar aqui na totalidade, com o devido pedido de desculpas aos não autores não referidos –, a presente obra tem, entre outros méritos, o de contribuir para a dignificação e a exposição pública da densidade da Ciência Política portuguesa dos nossos dias. Para confirmá-lo, nada melhor do que ler este livro, exemplarmente organizado na sua estrutura interna graças ao trabalho de Conceição Pequito Teixeira. Uma obra de politólogos, que se espera venha a merecer a devida atenção de agentes políticos, de cidadãos participativos e, a par deles, dos que (felizmente, cada vez mais raros) ainda questionam e impugnam o estatuto e o lugar da Ciência Política nas nossas universidades e nos nossos centros de investigação.
Lisboa, dezembro de 2016
António Araújo
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