“Nos processos judiciais, uma das provas empregadas tanto pelas partes como pelo próprio juiz para a tomada de decisão sobre os fatos é o conhecimento técnico. Na maioria dos sistemas de justiça atuais a forma com que tal conhecimento entra no processo é mediante um terceiro, e não, por exemplo, mediante um juiz-perito. Nessa situação, o juiz deve, de alguma maneira, avaliar a qualidade dos conhecimentos desse terceiro e/ou, inclusive, do próprio terceiro, a fim de poder usar seu testemunho na motivação sobre os fatos.
Neste livro abordam-se alguns problemas epistêmicos implicados nesse amplo panorama; i.e., analisa-se a prova pericial a partir de uma perspectiva epistêmica. Por isso, não se trata de um estudo das regras que regem a prova pericial em um sistema jurídico particular – ainda que se dê conta de diversos elementos que costumam estar presentes em muitos dos sistemas que preveem esse tipo de elementos de prova –, mas sim de pressupostos e propostas feitos com pretensão de generalidade. E isso mesmo que eu assuma que muitos de tais pressupostos são mais familiares à tradição romano-germânica e, inclusive, que algumas propostas pareçam, hoje em dia, mais facilmente aplicáveis nos sistemas dessa tradição.
Ainda que seja verdade que uma questão fundamental ao abordar a prova pericial seja o que significa ser expert ou quais são os critérios de qualidade do conhecimento técnico, as análises epistêmicas (não puramente processuais) procedidas sobre esse meio de prova colocam praticamente toda a ênfase em responder isso, descuidando de um ponto fundamental: o funcionamento da prova pericial como fonte de conhecimento. Este trabalho parte precisamente de sustentar que os problemas epistêmicos da prova pericial não possuem raízes exclusivamente em quem é expert, mas, ao fim e ao cabo, em como o juiz aprende com o perito”.
Da introdução da autora
Sobre a coleção:
Foi Michele Taruffo (que para a imensa tristeza de todos nos deixou recentemente) quem, nos países de civil law, buscou (principalmente a partir de La Prova dei Fatti, 1992) aproximar o Direito Probatório da Epistemologia (o campo da filosofia que estuda a obtenção de conhecimentos), iniciando uma verdadeira revolução cultural. Desde os anos 90, portanto, no âmbito europeu, diversos autores e autoras passaram a debater tais temas, acarretando muitas e importantes mudanças na realidade daqueles sistemas jurídicos.
Mais recentemente, com a consolidação da Escola de Girona (e do Mestrado em Raciocínio Probatório daquela universidade) como uma referência mundial sobre o tema do Raciocínio Probatório, diversos países hispanohablantes da América Latina iniciaram, também naqueles territórios, tais revoluções – a partir de leituras de diversas obras-chave da literatura relevante do tema, praticamente todas em inglês, espanhol ou italiano. O Brasil, apesar de diversos e louváveis esforços individuais (muitos deles de ex-alunos e ex-alunas de Girona), por conta da barreira idiomática, vem ficando muitas vezes para trás em relação a tais discussões; não só em relação ao do resto do mundo, mas inclusive em relação à própria América Latina.
A editora Juspodivm e eu queremos mudar este cenário. O meu compromisso com a editora e com você é apresentar ao leitor e à leitora obras de referência sobre o tema, gerais e específicas, sempre com traduções ao português cuidadosas e com revisões atentas. Tudo isso para dar munição para que o Brasil também se insira, com potência total, no debate mundial sobre o Raciocínio Probatório.
E para iniciar temos o prazer de apresentar ao leitor e à leitora o primeiro livro da primeira coleção sobre Raciocínio Probatório em língua portuguesa. Um livro simbólico, escrito pelo caposcuola da Escola de Girona, e básico para qualquer pessoa que pretenda estudar o direito probatório a sério; e, mais do que isso, entender as bases do raciocínio probatório.
Não tomarei mais seu tempo. Boas leituras. A revolução, como não poderia deixar de ser, vai integralmente dedicada à memória do nosso eterno Maestro Taruffo e começa… agora.
Vitor de Paula Ramos
Coordenador da Coleção.
Professor no Mestrado em Raciocínio Probatório da Universidade de Girona, Espanha.
Avaliações
Ainda não existem avaliações.