“Temas de Direito dos Contratos” é o volume que agora se oferece ao público, no âmbito dos Estudos seleccionados do Instituto Jurídico Portucalense. Trata-se de um sector da investigação que a Universidade Portucalense nos pediu para acompanhar, convite que aceitámos, honrados pela distinção e felizes por podermos dar o nosso contributo a esta actividade do Instituto Jurídico Portucalense e ao Departamento de Direito da mesma Universidade, superiormente dirigidos, respectivamente, pelos Doutores Amílcar Mesquita e Maria Manuela Magalhães Silva.
O contrato é uma figura fascinante e que se presta a abordagens de vário tipo, desde uma perspectiva técnica ou técnico-jurídica, até outras dimensões, designadamente de cariz filosófico, sociológico, político ou económico. Trata-se de uma daquelas figuras que convoca ao debate temas sempre presentes nas preocupações da ciência jurídica. Ele espelha, de modo exemplar, na sua regulamentação jurídica, as tendências económicas, o modelo social, os postulados filosóficos, culturais e políticos de cada época. Analisá-lo, do apogeu da época liberal ao presente, é percorrer muitos dos caminhos trilhados pelo pensamento jurídico; discuti-lo, é debater o próprio sentido do direito.
Fruto da autonomia privada, o contrato é a manifestação mais evidente do princípio da liberdade contratual. A dimensão social presente no Código Civil de 1966, traduzida muito especialmente nos vários limites à liberdade contratual — desde a consagração do princípio da boa fé, “maxime” da boa fé objectiva, até à proibição do abuso do direito, desde o combate aos negócios usurários até ao relevo atribuído à alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, desde, enfim, a obrigação de restituir o enriquecimento sem causa até às várias intervenções judiciais de controlo com fundamento na equidade ou à consagração da responsabilidade civil pelo risco —, a dimensão social do actual Código Civil, dizíamos, espelhada em várias soluções, com especial enfoque no contrato, é uma manifestação evidente do sentido actual do contrato, bem distante daquele que o liberalismo apregoara e bem distante, igualmente, dos pressupostos formais em que o positivismo jurídico assentara. Longe vão os tempos do laissez-faire, laissez-passer = laissez contracter, perante as preocupações actuais por uma juridicidade social e materialmente fundada.
De “invenção admirável”, o contrato veio a ser denunciado como uma possível fonte de injustiça, de opressão e de domínio, falando-se da “crise do contrato” e, até, da sua “morte”, ou, numa imagem feliz, de um frasco de perfume vazio. Com a expansionista e avassaladora intervenção do Estado e os (por vezes) sufocantes limites à iniciativa privada e à liberdade contratual ter-se-á passado de um ao outro extremo, tendo-se acabado por reconhecer que há troppo Stato e, perante a “agonia do indivíduo”, torna-se necessária a “libertação da sociedade civil” e um “retorno” ou “redescoberta do privado”.
Mas a pujança do contrato não diminuiu, afinal, nem a sua capacidade jurisgénica é hoje menor. Pelo contrário! A demonstrá-lo, ei-lo a intervir com toda a sua força criadora na economia, como o testemunha, entre tantos outros exemplos, os contratos de leasing, de factoring, de franchising, de engineering, de know how, as garantias on first demand, os swaps, o project finance, etc, etc, etc…
Os sociólogos, por sua vez, dirão que, de acordo com a conhecida “lei de Maine”, as relações sociais terão evoluído do status ao contrato, da definição dos direitos e deveres a partir do diferente status social de cada um até ao contrato, assente na igualdade de todos, ainda que igualdade só num plano formal. Mas eis que, hoje, são as preocupações da defesa do consumidor a convocarem como que a um retorno e a medidas diferenciadas, já não assentes, porém, no status da pessoa, mas na relação desequilibrada desta em face do profissional e na necessidade da sua correcção.
E os políticos, pelo seu lado, apelarão a uma democracia contratual, procurando que o Estado imponha as suas medidas, não pela via da força, manu militari, antes pela via do consenso e do diálogo, que é a força do contrato…
Todas estas dimensões evidenciam a importância e a actualidade do contrato, bem como o seu encanto. Elas estão, de algum modo, presentes nos trabalhos incluídos neste volume, na variedade dos temas que abordam, tendo por denominador comum o contrato. Por isso o intitulámos de “Temas de Direito dos Contratos”.
Oxalá os Leitores dêem por bem empregue o seu tempo, honrando-nos com a consulta da obra! O contrato é também um acto de comunicação — que pressupõe o outro, aquele que lê as nossas “propostas” e virá a pronunciar-se sobre elas… É essa proposta para um diálogo construtivo que aqui fica registada, subscrita por este sector da investigação do IJP da Universidade Portucalense.
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