Esta obra nasceu com um propósito premente e honroso de homenagear um Advogado do Algarve. Um Advogado de brilho intelectual inegável, como tão poucos o país teve, até hoje, que também se debateu, na “carne viva dos interesses”, que ajudou a dirimir, com a necessidade de levar as suas questões, sempre que tal foi oportuno, à casa da Justiça Constitucional, o lugar privilegiado da defesa dos direitos fundamentais. Quem conheceu o homenageado de perto, reterá a ideia de um homem bom, exigente, inteligente e diligente, competente e intransigente nos «valores da República». Os juristas, obrigados a tantas horas de solidão, na companhia muda dos seus Mestres, imortalizados nas “obras valorosas” ou num “aparente e insignificante ou vulgar escrito”, muitas vezes, certamente, burilados para além do que a “força humana alguma vez permitiria”, desempenham um papel essencial e insubstituível, na concreta comunidade, onde exercem a sua profissão. Na região algarvia, e mais além, inexistirá, julgamos, lugar algum onde, ainda hoje, não ecoe a «voz daquele que deu voz» a muitos cidadãos, oprimidos ou deprimidos, pelos seus problemas, pelos seus litígios, enfim, por uma vida a ansiar por uma voz amiga de concórdia e misericórdia em tamanha tormenta humana, em que se transformam, infeliz e malogradamente, muitos processos judiciais, nos nossos dias. Costuma-se dizer que os génios nem sempre são compreendidos ou bem compreendidos, pelas “suas gentes” e “no seu tempo”, já que o seu fulgor (ou “blitz”) intelectual e o seu amor ao saber os faz viver, intensamente, num mundo (“torre de marfim”) próprio a que só acede quem «da lei da morte se pretende libertar por obras valorosas», como urdia e declamava o nosso poeta mor CAMÕES. Julgamos que o nosso amigo terá logrado essa façanha da ‘imortalidade’, junto da sua família, amigos e das “nossas gentes”. Na verdade, para que alguém se torne imortal, independentemente da vida e para lá do tempo do esquecimento da morte, é mister que «viva na memória das nossas gentes». Este livro pretende fazê-lo viver, longamente, na memória das futuras gerações de juristas. O apreço demonstrado, no contexto da “última homenagem”, pelos amigos, por outros Advogados, Solicitadores, Agentes de Execução, Magistrados Judiciais e do MP, bem como muita (anónima) «gente das nossas gentes», após a gravosa e mortífera notícia, de 26 de Abril de 2022, não pode deixar de ser sinónimo de respeito e reconhecimento, pelo labor profissional do nosso amigo, pelos “seus pares”, se assim nos podemos exprimir, mas também pelas suas qualidades humanistas. Esta obra de homenagem nasceu, em Coimbra, pela mão de um «amigo do nosso amigo», essencialmente, para iniciar ou fazer “nascer”, entre nós (Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução), uma cultura ou tradição jurídica “da homenagem profissional forense”, que, no seio dos profissionais forenses, infelizmente – tirando algum caso esporádico ou excepcional –, ao contrário do que ocorre com os magistrados ou professores catedráticos e universitários, não tem sido, habitualmente, praticada e implementada: a necessidade de homenagem ao “Advogado–Homem-Bom”. Naturalmente, esperar-se-ia que as Ordens Profissionais (Ordem dos Advogados e Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução) estivessem atentas, em todas as comarcas, ao homem-jurista-bom, aos “homens de fulgor”, a merecer “louvor”, que vão grassando, felizmente, um pouco por todo o país. A merecer, este específico louvor, medalha e recompensa de uma vida forense impoluta, este singelo texto literário forense de memória viva, para que o tempo não lavre nesta herdade da memória, que se quer cultivar e preservar intacta, para as gerações vindouras. Esses homens forenses bons são, em não poucos casos, pais, confidentes, conselheiros, amigos das pessoas (os clientes), que os demandam, aconselhando-os, prevenindo e dirimindo, antecipadamente, muitos e muitos conflitos de interesses, que de outro modo, “empobreceriam” e “entristeceriam”, ainda mais, certamente, a nossa sociedade e a vida de cada um dos implicados. Acontece mesmo que, nalgumas situações, estes «homens bons», não poucas vezes abnegadamente (“pro bono”), sem levar tostão e de pleno coração, vão logrando um prestígio que é sussurrado, em surdina, nos mais diversos e estranhos meandros ou meios, da comunidade em geral, onde se inserem, de tal modo que, petit à petit, como que ficam “divinizados” ou possuidores do “toque de Midas”, credores de um especial «valor de acreditamento diferencial na intercomunicação produtiva ou mercado» (conquistador ou atractivo da clientela), para usarmos palavras de um outro nosso saudoso e inigualável Mestre conimbricense (ORLANDO DE CARVALHO). O nosso amigo, pai da Maria, do João e do Francisco, deixa um legado, no Algarve, de um «homem bom», generoso, cuidadoso, intelectualmente elevado e profundamente conhecedor do Direito, das suas “manhas” e “entranhas”, dir-se-ia. O seu legado vive, e viverá, estamos certos, não só no seio da sua família, mas também em todos aqueles que, por este ou aquele motivo, tiveram a honra e graça de conviver com este grande e bom Homem e Advogado.
A obra nasce, repentina e abnegadamente, instigada pela mão de um amigo de Coimbra, o que faz com que um amigo se junte a outro amigo, numa cadeia de generosidade e apreço que urge, aqui registar. Não se desconhece que aos amigos só se devem pedir coisas honestas, pelo que, quiçá, também por isso, a obra nasceu, emparedada em tal contexto. Os temas que nela são tratados são importantes, para qualquer profissional forense (a questão da Justiça Constitucional, olhada pela janela da fiscalização concreta da constitucionalidade – Capítulo I – e algumas questões ético-deontológicas e profissionais com implicações constitucionais – Capítulo II), e, se mal não fizer, para outros, a quem ela aprouver, pelo menos que permita abrir novas “veredas”, num caminho algo sinuoso, que encontramos, hic et nunc, na justiça constitucional portuguesa e na ética e deontologia profissional forense. As exigências postas pelo direito fundamental à tutela jurisdicional constitucional efectiva, não se coadunam com pressupostos, gerais e específicos, discriminatórios, pouco claros ou objectivados, que encontramos, inegável e persistentemente, hodiernamente, no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade. Apesar de todas as vozes críticas, o sistema de justiça constitucional português padece da “síndrome do autismo intelectual”, pouco se abrindo às exigências da nova realidade moderna, pouco ouvindo as vozes (senão já “gritos”) do Povo, esse que “tanto ou tudo mais ordena” e que tudo “legitima”, endo-processual-e-democraticamente, até o mais singelo decidir dos tribunais, ainda que de modo indirecto, sempre quando presente o bom julgar e decidir, de modo processualmente válido. Também a Constituição impõe novas e prementes exigências a toda a deontologia forense. Não admirará que se assista, nas várias questões deontológicas abordadas, a algum espanto, pela “não descoberta”, até aos nossos dias, de todos estes “momentos de crise” constitucional, na ética e na Deontologia Profissional forense, embora pareçam existir, presentemente, alguns indicadores de que também esta realidade está a mudar. É essa mudança que se propugna no Capítulo II. De facto, a partir da correcta compreensão da natureza jurídica das Ordens Profissionais forenses, bem como das implicações constitucionais, em toda a sua vida, do princípio da reserva de governo interno associativo público-profissional (ou da auto-regulação, como dirão outros), reconhecido a cada Associação Pública Profissional – artigo 267.º, n.º 4, da CRP 1976 –, logo nos apercebemos que todas as Ordens Profissionais, na sua regulamentação interna, agem «com uma estranha normalidade na anormalidade constitucional que criam», em contexto de direitos fundamentais implicados, directa ou indirectamente, pelo seu legislar, nas matérias da Ética e Deontologia Forense. E, na verdade, embora o paradigma ponderado e codificado, pelo legislador constituinte, acerca do leque permitido de actos normativos e os poderes (legislativos ou de outra índole) típicos dos vários órgãos (de soberania com competência) legiferante(s), o certo é que, há longas décadas, se assiste, na Ordem dos Advogados e na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, a uma constitucionalmente comprometedora compreensão da competência legislativa dos órgãos legislativos internos de tais Associações Públicas Profissionais. Na verdade, tais órgãos entendem que, por simples regulamento interno, se lhes afigura permitido legislar em matérias reservadas de competência legislativa, relativa ou absoluta, da Assembleia da República, assim actuando, de modo aparentemente impune e “normalizado”, mas em clara afronta e desconformidade constitucional. Esta “anormalidade constitucional” tem sido “normalizada” e “silenciada”, muitas vezes, à custa de sacrifícios horríveis dos direitos fundamentais dos candidatos a Associados, em termos que se julgaria já não possíveis, no nosso actual “entono constitucional português”, atenta a já longa evolução e maturidade democrática do nosso Estado de Direito. Não será estranha a tal “normalização” o elevado poder (de “persuasão” ou “condicionamento da iniciativa legislativa parlamentar”) que estas Ordens Profissionais logram, junto do poder político-legislativo vigente. É com esta “abertura crítica e de espírito” que todas as matérias são abordadas e expostas. Não ignoramos o incómodo que alguns leitores, “comprometidos com o ou um certo poder”, poderão ressentir, ao ler algumas passagens, um pouco à semelhança do campónio que vivencia, pela primeira vez, a sensação de viajar de comboio ou de navio e, por isso, não perceba a razão pela qual enjoa. Todavia, o enjoo, aqui, é curador da “indigestão (provocada pela falta de diversidade plural e) democrática”, provocada pela anormalidade de certos fenómenos legislativos que, embora em frontal confronto com a CRP 1976, logram uma estranha forma de vida, durante longos períodos de tempo. Alerta-se, desde já, que a obra é inclusiva, sendo pluralmente democrática e intertextualmente dialogante, quer com a doutrina especializada, quer com a jurisprudência específica do Tribunal Constitucional, não enfeudada a certas áreas político-académicas comprometidas e militantes. Mesmo nos casos em que, por questões de edição ou de técnica editorial, não nos foi possível analisar, aprofundadamente o pensamento de alguma doutrina, optou-se, ainda assim, por a elencar – na parte final da bibliografia –, assim permitindo ao leitor ou investigador académico «fazer o seu caminho». Ninguém ficou, propositadamente, omitido, todos os Autores, que tivemos oportunidade de, tempestivamente, ler e conhecer, foram “implicados” ou “convocados”, nesta obra. Nas sociedades democráticas amadurecidas é imperativo democrático e republicano contar-se com todos e pedir-se, a todos, o seu modesto contributo (“O que podes fazer pela tua República?”), sem desprezo ou eleição de alguma classe de preferência. Circunstância, ainda hoje, longe de ter sido atingida, no seio das academias portuguesas e, ainda, na sociedade literária jurídica portuguesa, do nosso tempo. É a essência do elogio da diferença que proclamamos, desde sempre, na nossa mundividência. Todos contam do mesmo jeito diferencial e estético-existencialmente afirmativo, para a identidade e a diferenciação de cada um de nós, nas mais diversas formas de proximidade ou comunidade de vida. Nesse sentido, a obra de homenagem trata, de modo aprofundado, a questão do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, identificando todos os seus pressupostos gerais e especiais, bem como avaliando, de modo crítico, alguns dos seus principais aspectos processuais, mais propícios a provocar o insucesso do profissional forense, no contexto da justiça constitucional “concentrada” e “difusa”, a cargo, respectivamente, do Tribunal Constitucional e demais tribunais. Trata, igualmente, num segundo momento, daquilo que, à míngua de melhor conceito, designamos de “momentos de crise constitucional”, na ética e deontologia profissional forense. À medida que as matérias são expostas, vão sendo formuladas sugestões, pelo que haverá que notar que a obra não é de pura crítica à actual justiça constitucional ou deontologia forense, descontado que seja, por vezes, o uso de um tom azedo, crítico e acutilante – timbre e honra inconfundível do «nosso amigo de Coimbra» –, que nela encontramos, mas, outrossim, uma análise intelectualmente séria, crítica, independente e de perspectivação positiva, para o futuro, de todas as temáticas tratadas, procurando lançarem-se sugestões, ao legislador, de “lege ferenda”. Na verdade, nela se formulam questões, dúvidas e se dinamizam “descomprometidas” sugestões. Além da temática das implicações constitucionais do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva constitucional, no recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, que é tratada no Capítulo I, aborda-se, já no Capítulo II, um conjunto seleccionado de problemas da ética e da deontologia profissional forense, respeitante aos Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução, cuja resolução suscita vários “momentos de crise constitucional”, assim se identificando temáticas que, mais cedo ou mais tarde, poderão ser alvo de questionamento, junto do Tribunal Constitucional ou, em contexto de justiça constitucional “difusa”, junto dos demais tribunais. E, portanto, esta singela homenagem que se presta, com esta obra, que se pretende que seja, igualmente, o embrião ou a razão de ser, para o dito e tão famigerado Curso de Verão da Justiça Constitucional, a implementar e realizar, em breve, em Coimbra (ou em Portimão), com vista a permitir o aprofundamento (simples, claro e democrático) da Justiça Constitucional, para, com isso, se lograr um melhor acesso ao recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos profissionais forenses. Para já, para a posterioridade, fica o gesto, simples e desprendido – mas, profundamente, sentido –, desta obra, que, para os filhos e demais familiares ou simples amigos do Dr. JOÃO FERREIRA DA COSTA, será sempre um ou o instrumento de reavivação da memória, de anulação do tempo pela velocidade da memória (quanto maior for a velocidade da memória, menor será o tempo ou o “espaço-tempo” amnésico que se poderá formar), porque enquanto houver memória, o ausente estará presente, num momentâneo “loop amnésico” de anulação “espácio-temporal”, assim se aquecendo, pelo calor da memória, as longas noites frias da ausência e saudade, que a morte de todo o ente querido provoca, nos seus próximos estético-existenciais, que, com ele, se afirmaram, diferenciadamente, por relações de proximidade e comunidade de vida, num insignificante “tempo de vida” terrena, como o é o dos humanos, no milenar tempo do infinito do universo planetário. Aqui chegados, como já outros disseram, antes de nós, mas que, aqui, sem fina originalidade repetimos, relativamente ao Dr. JOÃO FERREIRA DA COSTA, apenas importa, finalisticamente, bradar aos céus da Eternidade: ab amicis honesta petamus.
Saudade e Amigo
Veio feroz, silenciosa e de surpresa,
Amigo meu que partistes,
Amigo meu que não te despedistes.
Veio atroz, furiosa e sem beleza,
Amigo meu que da vida desistes,
Amigo meu na minha memória resistes.
Sopra já o frio da tua ausência,
Ecoa o som dos algozes após a tua ausência,
Eles vêm, quando não vinham, na tua presença,
Ecoa a tua voz, o perfume da tua essência,
Eles vêm, presença, quando outrora ausência,
Eles vêm, ignorando, memória da tua presença,
Sopra a saudade
Vem amigo, vem, memória e calor de presença,
Vem amigo, vem, memória sem saudade,
Sopra o vento, não é o vento, é o meu amigo de verdade,
Sopra o vento, não é o vento, é o murmúrio do amigo da verdade.
Vêm os algozes…, amigo vem, memória sem saudade, amigo vem.
O Amigo BENJAMIM SILVA RODRIGUES
A Amiga CATARINA DOS SANTOS GOMES,
Entre Coimbra e Portimão, 04 de Julho 2024 (Rainha Santa Isabel)
(dois anos de memória, já passaram…).
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