A modernidade foi uma época de desencanto e de ruptura com a idiossincrasia medieval. Contudo, a felicidade baseada na crença racionalista na omnipotência do ser humano foi curta.
A emergência de riscos incalculáveis e incontroláveis (os grandes e novos riscos), tendo como pano de fundo a sociedade global, confrontou a humanidade com a inexorável falência da razão instrumental e calculadora em que assentaram os paradigmas da sociedade industrial. Na pós-modernidade, a crise da fé inabalável na capacidade do ser humano para prevenir danos e perigos face aos riscos globais, desencadeou uma fuga para o direito penal.
Os cidadãos não mais reclamam do Estado a tutela dos seus bens jurídicos individuais e a garantia de um mínimo ético, mas sim o garante do valor máximo da segurança. A sociedade pós-industrial tornou-se uma «sociedade do risco». Em consequência, novos movimentos sociais influenciam propostas tendentes à flexibilização das categorias dogmáticas tradicionais, numa clara deriva securitária marcada pelo abandono e substituição de princípios tão caros à matriz liberal do direito penal, como os da protecção exclusiva de bens jurídicos, da subsidiariedade e da mínima intervenção.
Está em desenvolvimento um direito penal do risco, cuja missão principal é a máxima eficácia na supressão das fontes de risco, redundando esse esforço numa intolerável antecipação da tutela penal. O direito penal tende a perder a sua finalidade material, representada pela protecção de bens jurídicos, para se funcionalizar à máxima eficácia preventiva e repressiva de comportamentos de risco. Mas há caminhos alternativos para responder às exigências da sociedade pós-moderna.
Os novos riscos que nos ameaçam no quotidiano e que nos ameaçarão no futuro incidem, essencialmente, sobre as condições básicas da vida humana, sendo, então, bens jurídicos colectivos que, mais do que nunca, ascendem à dignidade penal. Por isso, o carácter instrumental e subsidiário do direito penal não é anacrónico. Por outro lado, os principais agentes propulsores dos grandes riscos para os bens jurídicos colectivos são os entes colectivos que actuam à escala global, constituindo uma criminalidade própria da «sociedade do risco».
O combate à emergência e à concretização dos grandes e novos riscos passa, hoje, indubitavelmente, pela efectivação da responsabilidade penal de entes colectivos. Tal desiderato impõe, por certo, novas concepções político-criminais e dogmáticas. No entanto, pensamos que o direito penal do futuro, um direito para a «sociedade do risco», poderá, ainda e sempre, conceber-se dentro do ideário iluminista, conservando, no essencial, o seu carácter de última ratio.
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